30.9.10

2002: A esperança venceu o medo. Ou não?

As eleições de 2002, as primeiras do novo milênio, eram mais uma prova de fogo para a democracia brasileira. Afinal, havia a certeza de um novo presidente, já que Fernando Henrique Cardoso terminava seu segundo mandato. No menor número de candidatos à Presidência desde a redemocratização, houve seis postulantes ao Palácio do Planalto.

Pela quarta vez seguida, Luiz Inácio Lula da Silva se candidatou pelo PT, contando com o apoio de PL (que lançou o vice, o senador mineiro José Alencar), PCdoB, PMN e PCB. Seu principal adversário era o candidato do governo, o ex-ministro da Saúde, José Serra (PSDB), que contava com o apoio do PMDB (que lançou a vice, Rita Camata). Outros candidatos com chances eram o ex-governador cearense Ciro Gomes (PPS), candidato pela segunda vez consecutiva (coligado com PDT e PTB), e o ex-governador fluminense Anthony Garotinho (PSB), que nem completou seu primeiro e único mandato no Palácio Guanabara, indo diretamente para uma candidatura à presidência da República (com o apoio do PTC e do extinto PGT). Os demais candidatos eram da extrema-esquerda: José Maria de Almeida (PSTU) e o estreante Rui Costa Pimenta (PCO).

Olha que poderia haver mais candidatos: a então governadora maranhense Roseana Sarney (PFL), filha do ex-presidente e senador José Sarney (PMDB-AP), era muito cotada para uma candidatura presidencial no início do 2002. Estava até empatada com Lula nas pesquisas pré-eleitorais. Mas uma operação da Polícia Federal no Maranhão acusou esquemas de corrupção ligando o governo estadual a empresas do marido da governadora. Com isso, Roseana desistiu da candidatura e, como todo o clã Sarney, passou a apoiar Lula - ao contrário das cúpulas pefelista e peemedebista, que apoiaram Serra, ainda que informalmente por parte do atual DEM. Além disso, outro ex-eterno candidato à Presidência, Enéas Carneiro (PRONA), também desistiu para tentar ser deputado federal por São Paulo (tinha se candidatado à prefeitura da capital paulista em 2000). Não só foi eleito como se tornou o deputado mais votado da história do país, praticamente enchendo a Câmara de pronistas - entre eles, Vanderlei Assis, também eleito deputado federal por São Paulo, apesar de nunca ter saído do Rio de Janeiro. Era o primeiro grande fenômeno bizarro do eleitorado paulista para a Câmara dos Deputados - "honrosamente" sucedido por Clodovil Hernandez (PTC) em 2006 e, provavelmente, por Tiririca (PR, coincidentemente resultado da fusão do próprio PRONA com o PL) este ano.

De fato, Lula estava em estado de graça naquela eleição. Mesmo assim, houve segundo turno: o candidato do PT obteve 39.455.233 votos (46,44% dos votos válidos), e o do PSDB, 19.705.455 (23,19%). Surpreendentemente, o discurso messiânico de Garotinho o levou à terceira colocação, com 15.180.097 votos (17,86%), enquanto Ciro, que ocupou-se de ser metralhadora giratória durante a campanha, conseguiu 10.170.882 votos (11,97%). Os demais candidatos, juntos, obtiveram 0,51% dos votos válidos.

Bem que o PSDB tentou no segundo turno, mas o fato é que poucos estavam satisfeitos com o governo FHC naquele ano. Nem o discurso do medo adiantou muito, mesmo porque o sentimento naquele ano (inclusive de minha parte) era de que deveria haver mudanças. Além disso, Lula parecia ter um discurso de austeridade política, amadurecido pelas seguidas derrotas eleitorais. Portanto, a eleição era apenas questão de tempo. E ela veio, graças a 52.793.364 votos (61,27%), a maior votação dada a um candidato a presidente na história do Brasil. José Serra teve 33.370.739 votos (38,72%).

No estado do Rio, o chamado "voto evangélico" estava em seu auge. E os candidatos que seguiam essa tendência se aproveitaram bastante disso. Garotinho, ex-governador, foi o candidato à Presidência mais votado no estado no primeiro turno, derrotando o fenômeno Lula. Entre os nove candidatos ao governo do estado, havia nomes experientes como a então governadora em exercício Benedita da Silva (PT, apoiada por PCdoB, PMN e PCB) e o eterno prefeito niteroiense Jorge Roberto Silveira (PDT, apoiado por PPS, PTB e outros partidos menores), além de uma ex-secretária de Cesar Maia, Solange Amaral (PFL, apoiada por PSDB e PMDB). Mas foi uma candidata inimaginável a vedete das eleições fluminenses: a ex-primeira-dama do estado, Rosinha Matheus, cuja única experiência política havia sido a Secretaria Estadual de Ação Social. Com o mesmo discurso populista de sempre, a candidata do PSB (apoiada pelos mesmos PTC e PGT, além de PPB, PSC e PRP, e dos extintos PSD e PST) conseguiu se eleger no primeiro turno, com 4.101.423 votos (51,3%) - apenas Leonel Brizola tinha conseguido isso, em 1990, e provavelmente Sérgio Cabral Filho o fará neste ano. Benedita acabou em segundo, com 1.954.379 votos (24,4%).

Seguindo a tendência do voto evangélico no auge naquele ano, o cantor e pastor da Igreja Universal, Marcelo Crivella (PL), sobrinho de Edir Macedo e então um antilulista (tanto que se recusou a participar da mesma coligação que apoiava Lula e apoiaria Benedita; hoje, é um dos mais ardorosos defensores do governo Lula, sendo o "candidato do coração" do presidente em qualquer eleição), acabou em segundo lugar na corrida para o Senado (o atual governador Sérgio Cabral, do PMDB, foi o outro eleito). A maior surpresa, contudo, ficou na terceira colocação: o pastor Manoel Ferreira (PPB, atual PP), chefe da Assembleia de Deus e apoiado por Rosinha, e que estava pouco cotado, inclusive pelas pesquisas de opinião. Ficou na frente de antes favoritos como o então senador Artur da Távola (PSDB), que tentava a reeleição; o vereador Edson Santos (PT), que se elegeria deputado federal quatro anos mais tarde e se tornaria ministro do governo Lula; e o ex-governador Leonel Brizola (PDT), sexto colocado na última eleição de sua vida - morreria dois anos mais tarde.

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